“Tinha cólicas horríveis desde a primeira menstruação, por volta dos 11 anos. Era tanta dor que tinha de ir ao pronto-socorro tomar remédio na veia. Faltava na escola. Já adulta, deixava de ir trabalhar. Só descobri que tinha endometriose com 30 anos, quando quis engravidar e não conseguia”, conta Thaila Fernandes da Silva, 36. Até o diagnóstico, a analista financeira passou por muitos médicos, que nem sequer desconfiaram da doença.
A história de Thaila está longe de ser exceção. A endometriose é o depósito de endométrio (tecido que reveste a parede interna do útero) fora do órgão, podendo acontecer em qualquer lugar do abdômen. A estimativa é que ela atinja de 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva.
Cólica forte não é normal
O dignóstico é difícil, basicamente, por dois motivos: um cultural e outro estrutural. O ginecologista e obstetra Patrick Bellelis, diretor executivo da Associação Brasileira de Endometriose, explica o primeiro entrave. “Existe a cultura de dizer que ter cólica menstrual é normal, daí que, muitas vezes, a mulher se queixa de dor, e o médico não suspeita de endometriose.”
Cólica menstrual incapacitante –aquela que faz a mulher deixar de lado suas atividades normais–, dor pélvica fora do período menstrual, dor para evacuar e/ou urinar, durante a menstruação, dor durante as relações sexuais e dificuldade para engravidar são os principais indícios da doença, segundo o ginecologista e obstetra Sérgio Podgaec, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e membro da Comissão Nacional Especializada em Endometriose da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Foi também ao tentar ter o primeiro filho que a arquiteta Célia Maria Peres, 47, descobriu que tinha endometriose. Não que ela não tivesse outro sintoma importante: desde os 12, tinha cólicas menstruais fortíssimas, a ponto de vomitar.
“A dor começava uma semana antes de menstruar e, depois que começava o fluxo, sofria mais uma semana com dor intensa. Nesse período, passava pelo menos um dia inteirinho deitada. Era um sofrimento que eu sabia que se repetiria no mês seguinte”, fala Celia.
Acesso a exames
O fator estrutural que dificulta o diagnóstico da endometriose é a falta de profissionais especializados na realização dos dois exames de imagem que são fundamentais para a detecção da doença: a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e a ressonância magnética. O problema é tanto do sistema privado de saúde quanto do público.
Segundo o ginecologista, entre o início dos sintomas e o diagnóstico do problema são, em média, sete anos, número levantado por um estudo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), publicado em 2003.
A gerente de programas Juliana Belda conta que sempre teve mais cólicas do que as amigas na adolescência, mas foi, em 2012, aos 25 anos, que as dores se tornaram insuportáveis, a ponto de fazê-la faltar no trabalho e impedi-la de praticar atividade física.
Morando na Irlanda, ela fala que ouviu do primeiro médico que procurou que tomasse um analgésico. Do segundo, que as dores passariam se ela engravidasse. “Fiquei com medo desse ‘tratamento’ (a gravidez) e desencanei de procurar solução.”
A questão foi deixada de lado até que a cólica passou a ocupar 15 dias do mês dela. A gerente de programas, então, procurou uma clínica especializada em mulheres.
“Na Irlanda, a praxe é você ser atendida por clínicos gerais, caso dos dois primeiros especialistas em que fui. Quando a coisa piorou, fui em uma clínica especializada em saúde da mulher. A médica que me atendeu era clínica geral, mas me encaminhou para uma ginecologista, que diagnosticou endometriose. Foi uma saga”, comenta Juliana.
Endometriose tem cura?
O tratamento para a endometriose varia de caso a caso, mas, em geral, constatado o problema com os exames de imagem, a mulher se submete a um tratamento hormonal (com pílula ou anel vaginal, por exemplo) para conter os focos de endometriose e, assim, controlar a dor.
“Se em seis meses, a paciente não tem melhora da dor, a indicação passa a ser cirúrgica, por meio de videolaparoscopia [técnica em que se insere, em pequenas incisões no abdome, um equipamento chamado laparoscópio, que visualiza e trata a região]”, explica Bellis.
O especialista fala ainda que, mesmo sem dor, a cirurgia pode ser indicada se atingir órgãos importantes como o ureter, deixando a mulher sob o risco de o rim parar de funcionar.
Apesar de ser considerada uma doença sem cura, a realização da cirurgia costuma solucionar o problema. “Hoje, a mulher volta a ter focos de endometriose em apenas 10% dos casos”, afirma Bellelis.
Endometriose e gravidez
A endometriose é hoje a principal causa de infertilidade. Apesar da relação entre uma e outra, ter a doença não é a pá de cal definitiva no desejo de ser mãe.
Carolina Oliboni Bastos, 37, engravidou naturalmente da filha, Catarina, de 1 ano e 9 meses, sem nem saber que tinha endometriose. Desde a adolescência, a funcionária pública sofria com intensas cólicas menstruais e chegava a desmaiar de dor.
“Há quatro meses, pela primeira vez, um ginecologista solicitou um exame de imagem que identificou um cisto grande em um dos ovários. Só agora descobri a doença”, fala a funcionária pública.
De acordo com o ginecologista e obstetra Patrick Bellelis, pacientes que se submeteram a videolaparoscopia tendem a responder melhor aos tratamentos para infertilidade e têm chance de gravidez natural.
Prova disso são as histórias de Thaila e Celia, citadas nesta reportagem. Ambas engravidaram de forma natural, a despeito da doença. A primeira é mãe de Pedro, 3, e a segunda, de Enrico, 11, e Maria Clara, 5.
Se a mulher não tem dor e a questão financeira não é um impeditivo, a saída para a mulher com endometriose engravidar costuma ser a reprodução assistida (em média, cada tentativa custa R$ 10 mil reais).
Fonte: UOL.
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